segunda-feira, 14 de julho de 2014

Ordem e Progresso

O orgulho nacional performatizado ao longo deste último mês foi elemento crucial para o dito sucesso do megaevento e merece uma reflexão mais demorada ao longo das próximas semanas. A imagem sacrossanta da bandeira hasteada durante a oração cantada aos berros unissônicos de louvor à nação – que, diga-se, revela algo da propaganda patriótica bombardeante das últimas semanas – contém os dizeres franco-iluministas que nortearam a consolidação nacional do Brasil e sintetizam o que foi vivido neste pedaço de terra entre 12 de junho e 13 de julho: ordem e progresso.

Sediar a Copa do Mundo FIFA™ é atitude de um governo que confia na possibilidade de exibir ao assim chamado mundo civilizado a imagem representativa de um país coerente com o que se espera neste tal mundo, a saber, o progresso. Elemento recorrente no discurso político moderno, o progresso aparece na Copa do Mundo FIFA™ simultaneamente como exibição e perspectiva. Porque a um só tempo se expõe para fora que existe progresso nessas terras e se explica para dentro que a exibição será bem sucedida e resultará em mais progresso.

E o progresso almejado, logo se vê, é multifacetado: tecnológico, urbano, turístico, energético, desportivo, político. O carro-chefe, entretanto, da concepção que trouxe o diabo à Terra de Santa Cruz é o progresso econômico, este entendido como alto faturamento do mundo empresarial que orbita em torno da festa: de pequenos comerciantes e vendedores ambulantes a, principalmente, multinacionais patrocinadoras e construtoras homicidas politicamente beneficiadas.

Se o progresso econômico resultante da Copa do Mundo FIFA™ é inquestionável – pelo menos assim dizem os números oficiais –, é necessário persistir e difundir o debate acerca do regresso humano resultante do custo social da brincadeira, manifestado sobretudo na violação constante de direitos civis e sociais: remoções forçadas de comunidades inteiras com indenizações mal pagas ou inexistentes, avanço da especulação imobiliária que deixa famílias à deriva, greves e protestos reprimidos violentamente, prisões ilegais como forma de medida preventiva, além das ainda existentes práticas de desaparecimentos, torturas e assassinatos arbitrários nos espaços onde o Estado inexiste senão com sua face repressiva.

Por isso que, desde a perspectiva do já mencionado mundo civilizado, a ordem foi e é crucial. A recusa de setores da população civil em acatar ao ideal de progresso com o qual se procurou justificar o evento resultou em bombas, tiros e sangue. Porque este ideal é avesso a uma sociedade permeada por contradições e disputas e se repousa sobre um distópico universo em que qualquer conflito é sinal de patologia social e deve ser reprimido para que reine a paz e haja possibilidade de (ainda mais) progresso.

Com o amor nacionalista inflado e orgulhoso de ter exibido ao mundo a simpatia inata aos aqui nascidos, o brasileiro pode agora vislumbrar na bandeira nacional o grande legado produzido pela recepção do mundial. Ao que parece, falhou o prognóstico fatalista de certa oposição para alegria do governo em suas várias instâncias: não nos faltou ordem nem progresso. Infelizmente.