Azedíssimos leitores,
Um dos vossos colegas que visita costumeiramente este espaço achou por bem enviar-nos sua resposta à última postagem. Sendo assim, reproduzo abaixo o texto escrito pelo leitor Bruno Santos. Um abraço e boas festas a todos.
Casmurro.
Universidade Pública: interessa-nos como ela deve ser.
Caro Casmurro e leitores,
Três imagens ilustram o texto: uma universidade pública, a estadual de Campinas, vista por cima, uma criança pobre e suja e o símbolo da maior universidade pública brasileira, a Universidade de São Paulo. O paralelo entre as três imagens mais o texto pode dar a deduzir, a cada um cabe a sua opção, mas de forma visível que a produção universitária deveria ser mais bem utilizada para solucionar questões como, a exemplo da imagem, a pobreza. Não que não produza soluções, porque o texto diz que sim, então, de antemão pode-se dizer que a universidade pública tem as soluções para a pobreza, só que não são aproveitadas, não pela sociedade, mas pelo Estado. Nada mais arrogante, mas até aí compreensível dado o porte de gênese autoral acadêmica do texto. Mas minhas ponderações não são em relação ao texto e a forma como foi construído e sim ao conteúdo.
Antes de tudo, um leitor atento, logo atentaria em antemão para os propósitos oficiais dessas autarquias submetidas ao governo do Estado de São Paulo, que as mantêm de fato, e não a sua “questionável” autonomia figurada na reitoria, institutos e faculdades e departamentos. A UNICAMP se destina a formação de profissionais liberais, técnicos em ciências (incluindo humanas), técnicos em artes e na docência, valorizando ideais da pátria, ou seja, volta-se ao mercado nacional e na compreensão de questões nacionais, puramente cientificas com viés humano, ou melhor, antropocêntrico. A USP, um pouco mais diferente, parece colocar o quesito do profissionalismo em menor instância, dando ênfase maior à investigação em ciências (pesquisas) e na docência e valoriza também a formação para professores do ensino superior. Em ambos os casos, a docência deve ser entendida como a licenciatura voltada ao ensino básico ou algo como “A universidade ao serviço da educação brasileira”, até hoje, quase sempre a condená-la em metodologia e perspectiva, mas enfim.
Acho fundamental ter isso em mente antes de se supor, por conta própria, o que deve ou não a universidade, a sociedade e o Estado fazer com a produção acadêmica. Pode-se discutir o modelo daquilo o que DEVERIAM, aí já consta outro tempo verbal, todos esses atores fazerem em relação a produção acadêmica, porque aí são os nossos achismos de um mundo melhor. Mas infelizmente, para muitos, o mundo é esse mesmo que esta aí. Mas o que deve, é o que consta em constituições e outras leis vigentes.
Em primeiro lugar, muito do que é produzido não passa de lixo acadêmico fundamentado na vaidade de seus autores, os mesmos autores que após produzi-los tornam-se mestres e doutores, e o fazem por si mesmos, por um título atribuído a si em finalidade própria não estendido à “sociedade”, compreendendo esta como o conjunto de pessoas que apenas se articulam sem tomar um partido oficial, este é tomado pelo governo – que no caso, não é sociedade. Não cabe aqui relatar se esses mesmos autores se preocupam ou não com a sociedade, até mesmo porque não seria nada compreensível gastarem-se horas de estudos em temas ou improdutivos ou não adequados ao contexto ou impróprios de problemáticas concretas e visíveis por ao menos alguns poucos que os vejam e mesmo assim, por mais humanísticas, artísticas, filosóficas ou tecnicistas que as sejam.
A universidade pública no Brasil não tem uma direção clara e sua prática é totalmente desconexa para com o seu conteúdo teórico idealizado, bem diferente da universidade pública japonesa: menor, menos acolhedora em números, mas muito produtiva para a sociedade e o Estado. Os avanços são sempre os avanços do pensamento e não os avanços das ações, mesmo em engenharias e tecnologias da informação: a própria inserção de capital multinacional na universidade já se revela como incompatível ao seu caráter nacionalista. E nesse ponto não há razão para crer numa imutabilidade social, econômica e cultural relacionada à produção científica: ela existe sim, mas é canalizada em seus fins pouco propositivos, segue adiante.
A ideia insipiente conformada em descaracterizar o “mercado” da articulação social tende a corroborar, sem maiores reflexões em si mesma, outras teses não propositivas aos formadores da sociedade e principalmente em aliená-los nas suas capacidades próprias de orientação individual e coletiva. A universidade pública no Brasil é inchada, cara e ineficiente aos olhos de sua abrangência e as poucas boas e visadas carecem ainda de muitos recursos e eixos de encaminhamento comum, daí as distorções claras em seu interior quando na repartição de recursos às linhas de pesquisa. E pondero o desalinhamento justamente pelas concepções múltiplas sobre a eficiência da produção acadêmica, pois em cada unidade ou grupo de unidades a representar áreas do conhecimento, constrói-se uma dada finalidade dessa mesma produção.
O mercado é visto como uma lombada a levar à letargia do desenvolvimento e, portanto, é de urgente necessidade a intromissão do agente exógeno: o governo. O ponto a unir o mercado como intruso e o Estado como bem feitor das ações públicas é a suposição do “BEM COMUM”. O Bem comum, e quem o define como que seja isso, é o governo, que governa a sociedade. O governo é claramente aquele o qual tem poderes de decisão sobre recursos públicos e não o parlamento, um fragmento político do Estado e nesse ponto meramente político-representativo, e não que seja pouco sê-lo. Aliás, o Estado, ou o governo propriamente dito, não define nada, é uma clara relação de subjugação dos interesses sociais mais concretos pelo grupo político nele instalado, seja “de direita” ou “de esquerda”, no neoliberalismo ou no socialismo e também na saúde e na doença.
A ver o mercado, associado às universidades públicas, como um intruso e o Estado como o bom moço a definir o que é o BEM COMUM para a sociedade, então fica clara aqui a desarticulação de algo aparentemente real: o mercado é um membro da sociedade e o Estado não, portanto, a definir os rumos tomados pelos atores internos do coletivo ‘sociedade’, teria maior autoridade sobre a produção acadêmica justamente o agente direto de sua manutenção: o capital e o trabalho, ou seja, os braços, as pernas e as cabeças do mercado. O mercado tem várias cabeças, pois ele atua em competição a buscar sempre o melhor a tornar máximos os interesses de cada individuo, assim, não cabe pô-lo como uma segunda ordem na lista de espera. O Governo é apenas um transitório a destinar os recursos que cabe às universidades, porque assim foi definido pela sociedade e também pelo mercado que a compõe e muitas vezes isso se deu por meio do parlamento, a casa política de representação dos diversos setores sociais, inclusive, os ligados ao mercado.
Quando a Faculdade de Engenharia dos Alimentos da Universidade X inova nas descobertas de pílulas revolucionárias para emagrecimento, porque assim um laboratório Y entendeu como demanda própria ou mesmo quando um grupo discente a descobre com recursos próprios da Universidade e posteriormente encaminha suas descobertas ao mercado, não o teria feito numa sociedade onde só houvesse pessoas magras ou anoréxicas. Eu, ao menos, nunca vi qualquer obra do mercado ser bem sucedida pela sua completa inutilidade, mas estudos governamentais, aí sim, têm aos montes. Engavetados, e os recursos, provenientes das riquezas produzidas pela sociedade convertidas em impostos, injetados nos ralos da ingerência estatal.
Neste caso exemplar, as pílulas foram dispostas em prateleiras de farmácias ou nos sítios virtuais, tudo regulamentado e fiscalizado conforme aquilo o quê é realmente a função do governo, orientado por normas claras e legais. O conhecimento daquele grupo de estudantes fica, e fica para a Universidade e para os próximos a nela ingressarem, também fica para a sociedade, e aliás: uma vez que seja, foi útil para a saúde de alguns que perderam alguns quilos, diferentemente das pesquisas “autônomas” cheirando a mofo, muito bem servidas como combustível de fogueiras em festas populares.
São exemplos que cabem sim em humanas e artes, por mais que se sugerisse a extinção de música clássica pela refuta da maioria ou falta de grande demanda, ainda assim a universidade a produziria, pois mesmo a minoria que nela estivesse estaria a produzir para uma minoria que por ela se interessasse, e também sem aqui supor o que se classifica como minoria em politizações redundantes, atribuições comuns aos governos de subjugação. E aqui, sem um agente exógeno, e por que não stalinista, a definir a música clássica ou casas de isopor ou arquitetura high–tech e pilhas de zinco como “BEM COMUM”.
O interesse público, e aqueles que se espelham nas possibilidades da universidade em atendê-lo, não podem ser regulados pelas minorias governamentais. A universidade pública autônoma só é efetivamente pública e autônoma quando, até mesmo, se financia dessa forma. Quando até mesmo se destina aos propósitos puros da regulação social, e por que não, mercadológica.
A ver o mercado como intruso, eu vejo um mercado cego, que define e se propõe em finalidades nele concebidas, do começo ao fim. Como se nunca houvesse perdas por apostar naquilo o que seria uma inutilidade completa às pessoas. E imagino o governo como um agente próprio da sociedade, constituinte dela, seja este como for, socialista ou não, sempre a calcular tudo em sua exatidão e racionalidade inquestionável podendo até mesmo se dar ao luxo de concentrar riquezas em pesquisas inúteis e descobertas também a contentar sua vaidade de Ser supremo, acima de todos, acima da própria sociedade e do seu mercado próprio. E se isso existe de fato. Eu desafio que se abram os livros de história ou os clássicos da literatura para comprovar essa dinâmica funcional, a mim surreal.
Bruno Henrique dos Santos
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Estadual de Campinas
br88donut@hotmail.com